Não há surpresas em se falar sobre a necessidade e a importância de uma cultura organizacional voltada para a inovação para que as organizações tenham nos seus processos inovativos uma vantagem competitiva. Isso implica em uma descentralização do poder de decisão, com estruturas organizacionais mais simples e menos hierárquicas, e um ambiente em que exista tolerância ao erro e a exploração da criatividade. Trata-se, portanto, de uma profunda mudança no clima organizacional, identificando primeiramente o papel dos recursos humanos para essa ambiência inovadora e entregando-lhes as possibilidades de serem diversos, ousados e protagonistas de novos modos de fazer. A partir da análise de pesquisas que buscaram relacionar o clima organizacional com a performance inovativa (Vargas-Halabi and YagüePerales, 2023; Xixiong Xu, Cuiliang Lin and Lingling Duan, 2022), trazemos aqui alguns tipos e dimensões culturais que podem impactar na promoção ou não deste ambiente inovador.
Vargas-Halabi e Yagüe-Perales (2023) se baseiam em quatro tipos de clima organizacional que influenciam a Performance Inovativa. Utilizando-se do modelo de Denison (Denison Organizational Culture – DOC), os autores avaliaram o quanto o envolvimento, a consistência, a adaptabilidade e a missão impactam o ambiente inovativo, por meio da coleta dados de 372 organizações da Costa Rica. Os resultados mostram que a missão organizacional, ou seja, a dimensão que fornece à organização uma direção estratégica clara e quanto ao que a empresa traz de propósito, tem um impacto direto e elevado no desempenho inovador. Além disso, a adaptabilidade, que se refere à capacidade de adaptação rápida às mudanças com relação ao mercado e concorrentes, assumindo riscos e aprendendo com erros, tem um efeito positivo, enquanto a dimensão da consistência, que diz respeito a valores fundamentais e à busca pelo consenso, estabilidade e integração interna tem um efeito supressor negativo no desempenho inovador. Não foi encontrada nenhuma relação entre o envolvimento e o desempenho inovador.
Olhando para os tipos de Clima Organizacional investigados em diversas pesquisas empíricas apresentadas pelos autores, elas identificam que as culturas adocráticas (orientação externa, flexibilidade, assunção de riscos) e de clã (coesão interna, desenvolvimento de pessoas, moral elevado, orientação de longo prazo) favorecem a performance inovativa. No entanto, não há comprovação de que a cultura de Clã (familiar, integradora, com foco na equipe) possa prejudicar a performance inovativa por promover um ambiente confortável e estável. O que se identificou, porém, foi que a cultura hierárquica (aquela com foco no controle interno) é destrutiva quando se deseja desenvolver o comportamento inovador nas empresas, e apesar de parecer óbvio, isso é algo que precisa ser olhado com bastante atenção pelas altas lideranças que tenham como estratégia investir em inovação.
Os achados da pesquisa dos chineses Xixiong Xu, Cuiliang Lin and Lingling Duan (2022, p. 594-595), mostram informações semelhantes. Avaliando a interferência de seis dimensões da cultura em sua relação com a inovação (Distância do poder, Individualismo versus Coletivismo, Aversão à Incerteza, Masculinidade versus Feminilidade, Orientação em Longo Prazo e Complacência versus Repressão), eles apontaram que a classificação hierárquica importa para a eficiência da inovação corporativa. E aqui, mais um ponto de atenção. Os resultados empíricos mostram que a cultura de senioridade, fortemente atravessada pela cultura de hierarquia e pelo alto distanciamento do poder, está negativamente associada à eficiência inovativa. Além disso, a associação negativa entre uma cultura corporativa de senioridade e eficiência inovativa é mais acentuada em empresas com mais executivos do sexo masculino e empresas intensivas em conhecimento. A análise revela também que a cultura da senioridade amplia as disparidades salariais entre as diferentes classes, dificulta a motivação para comunicar e, em última análise, prejudica a eficiência corporativa da inovação.
Vale também pontuar que os impactos negativos de uma cultura rígida para a inovação são mais relevantes em empresas intensivas de conhecimento, pois elas enfrentam um ambiente de mercado incerto e arriscado, em que o compartilhamento de informações, a necessidade de negociação e de se ajustar a rota é crucial. Em empresas intensivas em trabalho, que vivem um cenário de maior estabilidade, controle e previsibilidade, o impacto da hierarquia e da cultura de senioridade é menor, pois não se exige tanto do compartilhamento de informações.
As empresas que pretendem trilhar os caminhos da inovação têm uma primeira e importante lição: olhar para dentro de casa e construir intencionalmente culturas que reflitam um ambiente voltado a metas e propósitos claros e que direcionem as equipes, aliado à liberdade criativa, trabalho colaborativo, agilidade, tolerância ao erro e adaptabilidade. Está claro o papel da diversidade de ideias, de práticas que incentivem o protagonismo do colaborador e o senso de responsabilidade com relação aos resultados do negócio. Há que se redobrar o cuidado com ambientes que silenciam e que homogeneízam suas equipes, sob o argumento da manutenção do poder e numa falsa expectativa de controle. Essa sim é a receita nada inovadora para a destruição de um ambiente organizacional inovativo.
Profa. Dra. Maria Alice Campagnoli Otre
Universidade de Marília
maliceotre@unimar.br
Leitura Adicional:
Barjak, F., & Heimsch, F. (2023). Understanding the relationship between organizational culture and inbound open innovation. European Journal of Innovation Management, 26(3), 773-797. https://doi.org/10.1108/EJIM03-2021-0139
Vargas-Halabi, T., & Yagüe-Perales, R.M. (2023). Organizational culture and innovation: exploring the “black box”. European Journal of Management and Business Economics, ahead-of-print. https://doi.org/10.1108/EJMBE-07-2021-0203
Xu, X., Lin, C., & Duan, L. (2023). Does hierarchical ranking matter to corporate innovation efficiency? An empirical study based on a corporate culture of seniority. Chinese Management Studies, 17(3), 594-619. https://doi.org/10.1108/CMS-06-2021-0258