Inovação orientada por dados (Data-driven innovation)

Os dados são o novo petróleo. Em 2006 o matemático Clive Humby trouxe esta analogia para representar a necessidade estratégica de as empresas adotarem um processo de gestão orientada por dados, ou seja, de pautar todas as suas decisões em análises criteriosas baseadas em dados reais, tornando o processo decisório mais estruturado, deixando para traz o empirismo. No mesmo ano, Davenport publicou um artigo trazendo a ideia de que no século XXI, a competição por preço ou diferenciação se tornariam irrelevantes, pois apenas aquelas que adotassem a competição analítica (uso de dados) conseguiriam gerar vantagem competitiva sustentável. Quase duas décadas depois, vemos que os dados talvez sejam até mais valiosos do que o petróleo. A ampla digitalização atingiu pessoas, empresas e nações no mundo todo, trazendo conectividade e acesso a produtos, serviços e pessoas de forma simples e rápida. Como resultado desse processo, milhões de terabytes são gerados diariamente, registrando os passos, opiniões, comportamentos, hábitos e preferências de consumidores e cidadãos ao redor do mundo. Saber extrair e analisar esses dados, abre uma gama de oportunidades inédita. Ao mesmo tempo, o avanço tecnológico pressiona as organizações por inovação, como forma de conquistar ou manter vantagem competitiva. Sendo a inovação um processo complexo, que envolve grande nível de incerteza, seria possível imaginar orientá-lo por dados?

A inovação orientada por dados (data-driven innovation) consiste em extrair e minerar grandes quantidades de dados (big data) de múltiplas fontes para alimentar cada fase do processo de inovação. Dados podem ser abertos e públicos ou proprietários, podem ser gerados pelo usuário (por exemplo nas redes sociais), por sensores (por exemplo GPS), pelas empresas (por exemplo registros diários de vendas) ou por governos (por exemplo bases de dados do governo aberto) e podem ser estruturados (como os dados quantitativos) ou não-estruturados (como dados textuais, áudio e imagens). Considerando que o processo de inovação passe pelas fases de identificação de oportunidades, avaliação de oportunidades, designs de solução e avaliação do design, a abordagem orientada pelos dados pode ser incorporada da seguinte forma:

  • Identificação de oportunidades: tradicionalmente, nesta fase são realizadas pesquisas com os clientes, envolvendo surveys, entrevistas, grupos de foco, observação em loja, experimentos A-B, análises descritivas de dados históricos da empresa, em busca de identificar problemas e necessidades não atendidas e com isso uma oportunidade para inovar. Na abordagem data-driven dados de pegada digital são analisados por meio de técnicas de aprendizado de máquina, em geral não supervisionados (modelos em que não se estabelecem previamente categorias de resposta) com objetivo essencialmente exploratório. Um exemplo pode ser a análise de postagem em redes sociais, obtendo-se como resultado um conjunto de tópicos discutidos que pode trazer insights sobre mercados inexplorados, falhas nos produtos/serviços atuais e, de forma geral, estimular o processo de criação.
  • Avaliação de oportunidades: tradicionalmente, nesta fase os especialistas buscam traduzir as oportunidades ou necessidades identificadas na fase anterior em atributos que possam orientar o processo de design da solução. A abordagem data-driven pode potencializar o trabalho desses especialistas, ao analisar dados de preferência do cliente (baseados em navegação, likes ou consumo) identificando atributos chave dos produtos e serviços adquiridos/almejados. Com isso, modelos supervisionados podem identificar de forma automática os atributos chave para diferentes padrões de preferência do cliente, tornando o trabalho nesta fase mais rápido e bem-informado.
  • Design da solução: esta fase criativa de ideação, tradicionalmente se pauta no trabalho dos especialistas e em brainstorming. A abordagem data-driven amplia o espaço de design ao utilizar algoritmos generativos (como o ChatGPT) para desenvolver soluções iniciais baseadas em bancos de dados de designs anteriores, que podem ser aprimoradas pelos experts.
  • Avaliação do design: nesta fase se cria um MVP (mínimo produto viável) que passará por um teste de mercado com clientes do público-alvo. O processo de prototipação e teste pode ser lento e custoso. Na abordagem data-driven propõe-se um teste automático de um conjunto de ideias, treinando-se um modelo com dados de designs anteriores e seus resultados (sucesso/fracasso), desta forma, é possível descartar ideias com baixa probabilidade de sucesso antes de ir a campo realizar testes com o consumidor.

Em suma, o processamento de dados de pegada digital, preferência do cliente e dos dados advindos de conhecimento interno da organização é uma poderosa para enriquecer o processo de inovação e, eventualmente reduzir ou gerenciar mais efetivamente a incerteza inerente a ele. O leitor pode estar refletindo que a incorporação da inovação data-driven é própria das empresas de base tecnológica (big techs e start-ups) e/ou de empresas de grande porte com grandes orçamentos para P&D&I. De fato, as empresas nativas digitais têm em sua cultura o uso de dados como processo natural, para a inovação, para a gestão de CRM, para a gestão de pessoas entre outros. Contudo, com o cenário tecnológico atual, a implantação de uma cultura de dados torna-se viável até para empresas de menor porte e não nativas digitais; um computador, espaço para armazenamento em nuvem, um pacote de analytics ou o domínio de uma linguagem de programação são recursos suficientes para se iniciar uma abordagem data-driven. Ainda que o volume de dados seja elevado, o custo de obtenção e mineração são relativamente baixos. Em termos de recursos humanos, para empresas menores, nem sempre é possível recrutar um cientista de dados no mercado para compor o quadro interno e iniciar um projeto de dados, porém, é factível treinar um membro interno (há dezenas de bons programas online sobre o assunto) ou mesmo ter apoio de uma consultoria especializada.

De qualquer forma, é importante que a empresa que precisa inovar, pode e deve surfar na era dos dados e usá-los a seu favor. O petróleo nunca esteve disponível para quem desejasse extraí-lo e beneficiá-lo, os dados estão.

Profa. Dra. Daielly Melina Nassif Mantovani
Universidade de São Paulo – Departamento de Administração – FEA/USP
daielly@usp.br


Leitura Adicional:

Jorzik, P., Klein, S. P., Kanbach, D. K., & Kraus, S. (2024). AI-driven business model innovation: A systematic review and research agenda. Journal of Business Research, 182, 114764. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2024.114764

Luo, J. (2023). Data-Driven Innovation: What Is It? IEEE Transactions on Engineering Management, 70(2), 784–790. https://doi.org/10.1109/TEM.2022.3145231

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